sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Hoje no almoço de Natal,

O Doutor Lourenço ofereceu um avental azul com o rosto de Ivan Pavlov à Doutora Isabel, defensora acérrima da psicologia comportamental. Doutora Isabel, por sua vez, ofereceu à Doutora Helena uma estatueta de bronze de Carl Rogers por saber que no seu consultório Doutora Isabel pratica uma psicologia humanista, centrada no indivíduo e baseada na empatia. A Doutora Helena ofereceu ao Doutor Manuel um conjunto de camisola e calças de pijama às riscas cinzentas e verdes da marca de antipsicóticos Zyprexa Olanzapine, pois quis desfazer-se de alguns brindes que delegados de informação médica lhe ofereceram este ano. Por sua vez, o Doutor Manuel deu umas risadas e entregou à Doutora Helena o seu presente: um conjunto de caneta e bloco do Seroquel, um neuroléptico. Ao Doutor Lourenço, o Doutor Manuel ofereceu um isqueiro especial assinado por Philip Zimbardo com uma dedicatória muito especial. Doutora Helena sorriu e aproveitou a deixa para oferecer à Doutora Isabel um conjunto de seis chávenas de chá e pires pintados à mão com a pirâmide de Maslow. Posto isto, a Doutora Helena entregou ao Doutor Lourenço uma pintura a óleo de Piaget e colaboradores brincando com seis crianças. Doutor Lourenço ficou comovido e aproveitou o momento para dar ao Doutor Manuel um tapete de rato com a fotografia de Albert Bandura sorrindo a meio de um dos seus estudos experimentais.
A comida estava óptima e, dentro dos sacos que carreguei nas mãos à vinda para casa, trouxe uma réplica de Freud em chocolate, uma moldura com uma fotografia de Doctor Phil por ele autografada, uma agenda 2009 da marca Prozac e o livro "Reminiscências".

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Um amor platónico veraneante

Em Junho deste ano, entre Manhattan e Washington DC, fui acometida por uma paixão que tomou posse das minhas faculdades cognitivas. Essa paixão dura até hoje e é sempre com um sorriso que contemplo, de esguelha, esse rosto resplandecente quando fazendo zapping me deparo com a sua cara e com o seu discurso que tanto aprecio.

Bem sei que jamais será possível construir uma vida a dois consigo. É uma vida feita de reminiscentes encontros e desencontros. Acha que nos encontramos noutra vida, Phil?



A canção que vos apresento foi feita no quarto do hotel em que me encontrava hospedada em Junho. A minha voz, devido às inúmeras conferências desses dias, não estava nas melhores condições mas urgia registar sentimentos transcendentais. Gravá-la-ei de novo um destes dias.




segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Se tiver dois minutos disponíveis, contar-lhe-ei a história da minha vida

Um quarto andar em Lisboa. Tocamos à campainha numa terça-feira amena. Quem nos abre a porta é Doutora Teresa, trazendo nas mãos uma caneca de chá quente e um sorriso contemplativo.

A sua paixão pela psicologia começou desde muito cedo. Doutora Teresa olha pela janela do seu escritório e fixa um ponto inexistente. “Em pequena costumava brincar aos psicanalistas com as minhas amigas. Sentava-me numa cadeira, punha os óculos que surripiava à minha mãe quando ela não estava em casa e tecia análises psicológicas, sempre fictícias, durante tardes a fio. As minhas amigas participavam: encenavam gritos, choros e risos. Diagnosticava-lhes esquizofrenias, neurastenias. Nessa altura ainda não sabia concretamente o significado dos termos que usava”.

Aos 11 anos de idade, Doutora Teresa mascara-se de Freud provocando agitação no seio da família, num meio burguês e conservador. “Quando apareci no dia de Carnaval vestida de Freud, os meus pais não queriam deixar-me ir mascarada daquela forma para o colégio. Diziam que era ofensivo, que não era traje para uma menina usar. Mas eu fui resistente! [risos] Recusei-me a sair de casa enquanto eles não se resignassem. E resignaram-se”.

Aos 15 anos, Doutora Teresa interessava-se cada vez mais por literatura. “Estava absorta nos livros. A minha vida era ler. Saía do colégio, caminhava em direcção à biblioteca e lia avidamente os livros do Eça de Queirós, do Tolstoi. Acabei por me afastar do mundo. [pausa] Acho que teci nessa altura uma barreira intransponível entre mim e os outros indivíduos. Foi nessa altura que descobri Fernando Pessoa e me apaixonei pelo heterónimo Alberto Caeiro”.

De facto, este acontecimento mudou-lhe a vida. Aos 17 anos, profundamente influenciada pela poesia de Alberto Caeiro, Doutora Teresa faz as malas e ruma à casa de campo dos seus antepassados, abandonada havia um século. “Quando cheguei ao norte, vi a casa quase em ruínas, sem luz e sem água. Acabei por me instalar na mesma. Queria experienciar a vida como Alberto Caeiro a descrevia: sentir o sol na face, o frio de noite e escutar a Natureza. Comunicar com a divindade contida em todas essas coisas”.

Foi também nessa casa de campo que descobriu a música. “Certo dia passava um viandante que ia para longe de comboio. Tinha de se desfazer de uma guitarra acústica que carregava debaixo do braço. Ele quis oferecer-ma: eu disse que não sabia tocar guitarra. Ele insistiu, recordo-me como se fosse hoje: disse-me que não era preciso saber tocar, que a música estava dentro de nós. Fiquei com a guitarra e com um disco que me deixou, para recordação, do John Fahey”. Desde essa altura Doutora Teresa nunca mais parou de fazer canções. “É uma forma de catarse, de falar dos meus dias e da vida que me rodeia. A música tornou-se o meu psicanalista [risos]”.

Após dois anos passados no campo, lendo e relendo as obras de Freud, Doutora Teresa decide ingressar em Psicologia, sua velha paixão, voltando de novo para Lisboa. Conclui o curso aos 23 anos com média de 17 valores. “Inicialmente comecei a trabalhar na área dos recursos humanos, por pressão da família. Mas houve uma altura em que tive de pôr um ponto final a essa fase da minha vida. Era muito duro e causava-me grande frustração saber que não estava contribuindo para ajudar as pessoas a ajudarem-se a elas mesmas”. Assim, aos 28 anos Doutora Teresa abre o seu consultório em parceria com um antigo colega de faculdade, Doutor Lourenço, e nunca mais larga a psicologia clínica - sua verdadeira paixão.

Desde então Doutora Teresa tem dedicado a sua carreira a ajudar os indivíduos, tendo também uma vasta colecção de artigos científicos e obras publicadas no meio literário e científico. “Guardo algumas saudades da minha vida no campo mas por agora sinto que a minha missão na vida é continuar a ajudar os indivíduos que me rodeiam”.

Publicado em Março de 2005, Revista Psicólogos no Quotidiano, Nº31

sábado, 15 de novembro de 2008

Diagnóstico

A primeira vez que me deparei com um paciente esquizofrénico foi em 1995, começava então a exercer psicologia clínica em Lisboa. Só em 2007 surge novamente um caso de esquizofrenia no meu consultório.
Pois é justamente sobre esse segundo caso que surge a canção que agora partilho convosco.

Tendo sido composta em Abril do ano corrente, só agora encontrei motivo para gravá-la visto que o hospital psiquiátrico em que trabalho neste momento promove em Dezembro a campanha
Ergamo-nos Contra a Marginalização das Patologias A568GB.
Cada audição da canção reverte uma réplica do auto-retrato de Freud, "1916", a favor de cada doente patológico A568GB. Grata pela vossa colaboração.

Esta canção conta com registos audio recolhidos nas consultas com o paciente.

domingo, 28 de setembro de 2008


Caros leitores,

Diariamente, mais de 30000 indivíduos são atingidos nas pernas, nas costas e nos braços por dezenas de sacos, mochilas e outras malas enquanto viajam pacificamente pelas linhas do metropolitano.

Realizar-se-á depois de amanhã, dia 30 de Setembro, uma palestra sobre os efeitos das pancadas dos sacos e malas em indivíduos utilizadores do metropolitano.
Eu e o Doutor Lourenço tentaremos demonstrar, através de estudos científicos realizados nas universidades mais prestigiadas da Europa, os efeitos negativos das pancadas de sacos e malas na saúde mental dos indivíduos.

De facto, parece haver uma forte relação entre fazer viagens no metropolitano levando frequentemente com pancadas de sacos de compras e malas em diversas zonas do corpo e níveis elevados de stress fóbico composto, que podem no futuro dar azo a uma abulia repulsiva de grau seis.

A não perder, a partir das 19h no Auditório Borges Castro, Rua das Fanzílias Nº23.

sábado, 20 de setembro de 2008

Pessoas

Caros leitores,

Foram mais de dois meses estes em que, abnegando tudo, me evadi da cidade.
Evadi-me de Lisboa, depósito de toda a minha vida enquanto sepulcro de rotinas bafientas que me encarceravam num caixote, como roupas que já não servem e se atiram em saco preto com dois nós na arrecadação na cave e lá jazem condenadas para sempre.
Absolvi-me, inverti-me a cave que me estava destinada.

Percorri aldeias, auto-estradas, autocarros, cruzei-me com indivíduos superficial e mecanicamente: para lhes perguntar direcções, alugar um quarto ou pedir uma refeição. Confiei na minha solidão para me guiar, convencida de que era a forma mais nobre para me regenerar e encontrar a paz.

Até que, na claridade de um céu sem nuvens, quebrei o estar-se sozinho.
Para trás ficam amigos recém-chegados, sóis incandescentes, com quem descobri que os indivíduos não pisam a erva e as pedras que também pisamos para que apenas os olhemos com uma curiosidade sociológica distante.

Nas grandes cidades tendemos a avaliar os indivíduos sobretudo dessa forma, com alguma legitimidade até - poucos são os indivíduos civilizados, que não nos parecem carecer de toda a humanização e bondade subjacente ao Homem na sua primordialidade.

Porém, por detrás desse marasmo, descobrimos de vez em quando pessoas.
E, apesar de tudo, é isso que nos sustém. Ainda que enquanto miragem, esperança ou ideal.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

VIII

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas…
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou –
«Se é que ele as criou, do que duvido» –
«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.»
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?


Alberto Caeiro

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Viagens (uma canção para os leitores)

Continuam as deambulações por cidades e lugares desconhecidos.

Deixo-vos uma canção que fiz ontem, ao escurecer, na arrecadação da estalagem em que me encontro.
Lá jazia uma guitarra acústica, enquanto que em mim jazia o desespero e a melancolia de final de tarde.

Contemplativo - Doutora Teresa

sábado, 19 de julho de 2008

Viagens (dia quinto)

Descanso numa estalagem no Alto Alentejo. Sento-me numa velha cadeira de pernas desiguais e olho pela janela do quarto de onde vejo uma estrada vazia. O silêncio é quebrado quando, raramente, passam carros rápidos com indivíduos que não consigo chegar a ver.

A estalagem tem seis quartos mas, por nunca ter visto ou ouvido outros hóspedes, julgo ser a única pessoa aqui instalada. A estreita cama de madeira onde me tenho prostrado é escura e confortável, as paredes verde água do quarto transportam-me para um confronto interior onde me assaltam reminiscências do que tenho sido, do que os outros têm sido. O cheiro é o de um lugar há muito desabitado: convivem, de mãos dadas, o cheiro a madeira antiga, alguma humidade e um aroma a produtos de limpeza de madeiras.

Sempre me servi das férias para viajar. Observar paisagens e indivíduos é observarmo-nos a nós mesmos, é a aparição daquilo que andou adormecido o resto do ano e o resto da vida.

Viajo e é como se pesasse sobre mim o peso de um balanço necessário, um fechar de ciclo que acaba com a morte - morte que é sobretudo renovação.

Piso os lugares mais recônditos e longínquos para, através do isolamento que é também envolvimento distante, chegar ao apaziguamento e à acalmia e a uma tão aguardada renovação interior.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Viagens

As rodas deslizam enquanto o nosso autocarro passa a ponte. Ultrapassamos camiões menos velozes. Surgem mãos envelhecidas e escuras, penduradas nas janelas e apoiadas no volante. Mãos com história, desgastes e alianças.

Está sol. O mar reflete o céu e a água parece azul.

Os campos por onde passamos já foram verdes e vivos, espantados e recém-chegados ao mundo. Já foram amarelos, perderam a esperança, queimados pelo sol.

Onde antes havia uma alegria primordial de nascimento e de espanto, surgem-nos desinteressados desmotivados campos cansados e castanhos, em luto antecipado para a morte que é a chegada do Outono.

É a hora do rescaldo, do balanço e da recolha. A terra está curvada, virada para dentro, em retiro espiritual.

Passamos um lago castanho. Outro camião. Outra mão estendida num relógio metalizado.

A beleza dos cactos!

No acumular do castanho da paisagem, subsistem pedaços verdes de vegetação - responsabilidade da Primavera que ainda persiste e que persiste sempre. Esperança das folhas, dos insectos e dos Homens.

Há casas ao longe, há vida por entre as árvores e por entre a vegetação estéril. Que vidas terão os que ali habitam?

Imagino-os a esta hora talvez a verem o telejornal na cozinha enquanto almoçam e dançam três moscas acima das suas cabeças.

sábado, 5 de julho de 2008

Amor e Labor

É quase tão difícil deixar um emprego como acabar um relacionamento.

Nos relacionamentos podemos adiar duas semanas e atenuar os sinais de descontentamento e a urgência de findar o relacionamento. Não precisamos de elaborar um discurso formal pois o outro apercebe-se das nossas intenções nessas duas semanas em que as disfarçamos.

No labor, quando já temos o novo amante agendado para a segunda-feira seguinte, é-nos imprescindível elaborar um discurso que diga, sem rodeios, "quero terminar tudo, arranjei outro".

Quanto às perdas sentimentais que se tornam reminiscências passado algum tempo: no amor, ficam as deambulações e as discussões; no labor ficam os almoços no restaurante A Travessa junto ao Tejo e o cheiro a madeira envernizada da secretária.

Amor e labor aparecem de mãos dadas, apresentando mais similaridades do que seria de esperar.

Basta-nos pôr um L atrás de Amor e trocar o M por um B.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Para a vida toda

Hoje de manhã, o Doutor Lourenço chegou ao consultório com o novo bilhete de identidade que foi buscar ao Arquivo de Identificação. Mostrou-me a validade do bilhete e disse:

"Vitalício. Mais uma prova de que não se pode escapar à morte, Teresa, de que os nossos rituais sociais, burocráticos e emocionais vão findar em breve.
Foi a última vez que tirei fotografias de passe fazendo figas para que ficassem condignas, foi a última vez que me pintaram o indicador de negro e mo esborracharam num papel e foi a última vez que me esforcei para fazer uma assinatura apresentável."

Curioso a palavra vitalício provocar em nós a noção de que vamos morrer em breve.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Regresso: Avenida e o Estio

Depois destes dias em Manhattan, preenchidos por conferências inúmeras, eis que me encontro de novo em Lisboa.

Apanho o metro que me leva até à Avenida da Liberdade para cumprimentar a cidade que me provoca reminiscências.

No metro reparo que chegou o Estio. Sentada num lugar afastado da janela, observo múltiplos e repetidos pés pelo chão das carruagens, pés embutidos em chinelos e sandálias. Pés que se esconderam em meias, sapatos e botas durante muito tempo e que têm agora a sua oportunidade de saudar o chão e o mundo.

As cores das roupas são mais vivas e claras e causam confusão ao cérebro que tenta focar a atenção numa camisola apenas e não consegue. Os transeuntes falam mais alto que o habitual quando faz chuva ou frio e os corpos femininos aparecem mais disformes e deformados que o costume.

As barrigas femininas aproveitam o Estio e saem energicamente das calças, ficando suspensas lateralmente. Parecem querer gritar que não mais se sujeitarão à opressão que é ficar por dentro das calças ou por baixo das camisolas sem ver a luz do dia.

Reparei ainda no recente orgulho dos indivíduos no país. Talvez por finalmente fazer sol e estar um clima agradável em Portugal, os indivíduos envergam t-shirts verdes e vermelhas com a inscrição Portugal.

No regresso a Lisboa, o balanço é bastante positivo. Os indivíduos parecem gostar mais do país em que vivem.

domingo, 8 de junho de 2008

A música de uma das minhas pacientes

Há largos meses, em meados de Novembro do último ano, tratei uma paciente da qual terei sempre reminiscências.

No primeiro dia em que nos encontrámos no consultório eram dez e meia, a paciente entrou e pronunciou bom dia com uma voz falsamente grave e encravada na garganta. Arrastou a cadeira para se sentar, tirou cinco flores amarelas que trazia no bolso de trás das calças de ganga, pousou-as em cima da minha secretária e sentou-se finalmente.

Quando lhe perguntei o nome, disse-me que se chamava Maurícia.

De facto, durante as nossas consultas e sessões de psicoterapia, não consegui antever muito cedo qual era a patologia sintomática que afectava esta paciente, pensando eu que apenas se tratasse da necessidade de diálogo com o eu exteriorizada e estruturada através da ajuda do psicólogo.

Foi o Doutor Lourenço que me alertou numa das alturas em que viu a paciente sair do meu consultório:

Doutora Teresa, sem me querer intrometer, pergunto-me o que terá aquela sua paciente. Vejo-a cá tantas vezes...
Sabe, vi-a há pouco e assaltou-me uma reminiscência: ela parece-se muito com um rapazola que vi cantar em Londres há muito anos, quando era jovem. Os óculos, o cabelo, é tudo muito idêntico. Até as geribérias que ela hoje trazia no bolso das calças de ganga. Penso que o rapazola também as usava.

Foi uma pista crucial.
Assim, numa investigação conjunta com o Doutor Lourenço, chegámos à conclusão da sua patologia sintomática: a Maurícia estava convencida que era Morrissey, indivíduo que fora em tempos vocalista de um grupo musical chamado The Smiths. A Maurícia não se chamava Maurícia, chamava-se Cristina.

Graças a esta paciente, descobri um importante grupo musical por mim até então desconhecido.

O tratamento desta paciente consistiu em canalizar a sua necessidade de ser Morrissey para os tempos livres:

De dia a Cristina é ela mesma, mulher activa, individualidade, sendo que definiu o seu auto-conceito com a nossa ajuda.

Quando chega a casa, veste uma camisa larga e umas calças de ganga gastas, tira as flores da jarra na cozinha e coloca-as no bolso de trás das calças. Na casa-de-banho, abre um frasco e ao espelho arranja o cabelo e forma uma poupa alta.
Põe uns óculos grandes e corre com entusiasmo para a sala.

Na sala, liga o microfone e o aparelho de karaoke. Canta e dança, tira as flores do bolso e encanta a plateia que pensa que existe.

Deixo-vos com uma das interpretações da Cristina. Espero que apreciem.

this charming man - mauricia

sábado, 7 de junho de 2008

Conferências reminiscentes em Manhattan


Ontem, após a conferência Contextualizing American Reminiscences in the Nineteen Century, jantei no Bryant Park Grill em Manhattan com o Doutor Phil e outros colegas de profissão dos Estados Unidos. As carnes grelhadas fizeram as delícias de todos.

O Doutor Phil deu uma palestra interessantíssima no âmbito das reminiscências, afirmando que todos os indivíduos presentes na palestra deviam repensar as reminiscências no âmbito de reflectirem sobre o facto de terem comportamentos incorrectos e de serem más pessoas no quotidiano e no passado.

Durante o jantar de ontem no Bryant Park Grill, depois de degustar um pedaço de carne de vaca grelhado acompanhado por duas batatas fritas, Doutor Phil proferiu um raciocínio que anotei rapidamente no meu bloco de notas por representar uma aborgadem importante e original da psicologia em termos do indivíduo e do auto-conceito:

The thing is you are ALL bad persons and your behaviour is really unacepptable. You must think about you as husbands, wifes, daughters, sons, workers, psychologists, lovers, etc. You have to accept the fact that you're behaving badly, is the first thing you have to deal with.
Then, we can support you and help in your recovery as individuals, good individuals.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

"Não te governas só e sabe-lo"

12 de Abril [1947]

Ter a impresão de que cada coisa boa que acontece é um erro feliz, um acaso, um favor imerecido, não nasce de um espírito bom, da humildade e do desprendimento, mas da longa escravidão, da aceitação do arbítrio e da ditadura. Tem-se alma de escravo, não de santo.

Que aos vinte anos, quando os primeiros amigos te deixaram, tenhas sofrido devido a uma nobre dor, é uma das tuas ilusões. Desagrada-te ter de interromper hábitos agradáveis, mais nada. E agora continuas tal e qual.

Estás só e sabe-lo. Nasceste para viver sob as asas de um outro, mantido e justificado por esse outro, mas que seja suficientemente gentil para te deixar à rédea solta e consentir que tenhas a ilusão de que bastas tu sozinho para refazer o mundo. Nunca encontras ninguém capaz de suportar tanto; daqui o teu sofrer por causa das separações - não por ternura. Daqui o teu rancor contra quem se foi embora; daqui a tua felicidade em encontrar um novo dono - não por cordialidade. És uma mulher, e teimoso como todas as mulheres. Mas não te governas só e sabe-lo.

(O Ofício de Viver, Cesare Pavese)


Para si, Doutor Lourenço, a propósito do nosso diálogo de ontem.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Maio Invernoso

Época fortemente marcada por conturbações psicológicas.

As depressões sazonais deixam de ser sazonais.
Arrastam-se por Março, Abril, Maio.
Arrastar-se-ão, quem sabe, por Junho, Julho ou Agosto.

A recuperação não chega a ser plena pois em Outubro regressa.

Pouca importância se dá ao impacto das alterações climáticas nos indivíduos que sofrem de depressão sazonal.

Época fortemente marcada por conturbações psicológicas.

Não só no consultório.

domingo, 25 de maio de 2008

domingo, 18 de maio de 2008

Domingos

Hoje de manhã tomavámos chá, eu e o Doutor Eduardo, quando, no meio de uma conversa sobre a existência conturbada do Homem, ele proferiu esta frase:

"O Homem sente-se infeliz por não contemplar a existência enquanto fulcro de sensações sensoriais abstractas."

sábado, 17 de maio de 2008

Sessões transcendentais I

Saudações Doutora Teresa.

Leio atentamente o seu blog e como tal acedi à sua proposta de lhe enviarmos as nossas conturbações psicológicas... ainda que seja difícil, confesso.
A minha conturbação é estranha ... sinto apoderar-se de mim com rigor, de dia para dia, com maior intensidade de manhã. Consiste em dizimar pessoas que noto estarem contentes, sobretudo quando o tempo está ameno. Nestes dias chuvosos não sinto essa tendência tão vincada...o vento desorienta e a minha figura franzina facilmente se deixa levar por aragens mais fortes.
Bom, continuando, os indivíduos costumam ser jovens, situados ao ar livre, sozinhos ou acompanhados e dizimo-os com uma marreta que certeiramente lhes bate na parte de cima da cabeça matando-os de imediato.
Das várias vezes que contei aos meus amigos eles não acreditaram, o que me impressiona ainda mais. É verdade que os corpos dos dizimados não foram noticiados e é um costume meu ler jornais e ver televisão...A polícia não me prendeu nem veio procurar-me, o que creio dever-se ao facto de eu ser invisível, condição que permite que as pessoas não tenham oportunidade de reflectir antes de serem dizimadas...

Bom...creio já ter exposto o suficiente...aguardo o seu comentário ou esclarecimento...

Soares

Bom, parece-me que o Sr. Soares padece de três sintomas que formam em conjunto uma patologia sintomatológica rara.

Em primeiro lugar, deverá recordar as suas experiências de infância pois parece existir um recalcamento em relação à felicidade que acaba por resultar num comportamento de transgressão.
O Sr. Soares demonstra uma acentuada tendência para o abismo.

Outro dos seus sintomas é a invisibilidade. Indivíduos que padecem de invisibilidade têm uma propensão genética para se deixarem afectar por esta patologia, mais ou menos a partir dos 25 anos quando entram na idade adulta. Corrija-me se eu estiver a mentir e se por acaso a perturbação começou na adolescência.

Noto ainda algum cepticismo por parte dos seus amigos em relação aos seus feitos. Há que realçar que esta patologia é marcada por um afastamento e abnegação das relações humanas de carácter emocional com os outros, isolando o indivíduo e conduzindo-o a uma espiral de dor e sofrimento marcada pelo sentimento de que não se é compreendido.

Assim, recomendar-lhe ia psicoterapia grupal com indivíduos com perturbações semelhantes. Aqui na psicologia não gostamos de rotular os pacientes por isso pergunto-me se será necessário ou relevante revelar-lhe o nome técnico da sua patologia.

Para reduzir a invisibilidade, aconselho o uso de indumentária colorida pois poderá contribuir para o apaziguamento da patologia, e para um crescendo das interacções sociais permitindo-lhe ter uma vida normal. Deverá ter em conta que seria bom evitar prolongar-se em parques e bosques, evitando aperceber-se de pessoas felizes à sua volta em tempos amenos.
Deve aproveitar o Inverno, os dias frios e chuvosos para fazer a sua vida normal, já que não sente o impulso vital nesses dias.

Uma das estratégias poderá estar ainda em fazer terapia em cidades nórdicas como Londres, Estocolmo ou Oslo.

Espero ter sido concisa e ter ajudado.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Descobrir

De tarde, observei de muito perto um pombo no beiral da minha janela.
Vi-lhe a plumagem repleta de falhas e descuidos, os olhos cor-de-laranja-vivo que piscavam como piscam os nossos e o bico que abria de vez em quando.

A semelhança entre o pombo e o Homem.

Assisti, às oito horas e vinte e nove minutos ao acender dos candeeiros na rua.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Sessões transcendentais

Leitores,

Inauguro hoje aqui uma rubrica intitulada Sessões transcendentais onde o leitor pode relatar-me quaisquer conturbações psicológicas.

Todas as sextas-feiras seleccionarei um dos textos e comentá-lo-ei.

Deixo-vos o meu contacto do lado direito.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Em tempos livres

Além de Freud, dos lanches à beira Tejo, das aulas de esgrima e da observação dos indivíduos, uma das minhas paixões é musicar sobre o quotidiano e sobre as vivências do ponto de vista de uma psicóloga.

Porque ontem foi quarta-feira, deixo-vos com uma das minhas canções na esperança de que vos traga reminiscências primaveris de outrora.

Gostaria de agradecer à Doutora Isabel, minha amiga e colega de profissão, por ter participado nesta canção fazendo segundas vozes.
A Doutora Isabel, licenciada em psicologia ambiental, colabora no coro de Santa Luzia dos Unidos há quatro anos apresentando capacidades vocais muito interessantes.

Numa tarde solarenga junto ao mar, sem nada que fazer, a Doutora Isabel e eu conversávamos sobre a psicologia imobiliária. Depois de um chá no meu apartamento, peguei na guitarra e comecei a cantarolar sobre o meu ritual das quartas-feiras.
Doutora Isabel, com muita amabilidade, juntou a sua voz à minha composição.

Espero que apreciem este pequeno trecho.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Consultório

E depois de um dia passado a ajudar os outros, ainda sobra tempo para um sumo de laranja natural no café do Sr. Carvalho enquanto se olha o sol que reflete no Tejo pálido, deixando antever a vida do lado de lá, através de fábricas e montes ligados até a este lado por pontes.

Horizonte

Aí já me atraía ir para longe, e parecia-me que se fosse sempre em frente, se andasse muito, muito, e ultrapassasse aquela linha, aquela onde o céu se unia com a terra, talvez estivesse lá a solução, e eu depararia logo com uma vida nova, mil vezes mais forte e ruidosa que a nossa.


Dostoievski, O Idiota, Editorial Presença, Lisboa, 2001

sábado, 3 de maio de 2008

Resposta ao leitor

Ainda em relação à psicologia das sobrancelhas, um leitor perguntava-me:


Como utilizar esta metodologia em indivíduos que, sofrendo de tricotilomania, arrancam as suas próprias sobrancelhas?


Caro leitor,

É uma pertinente pergunta, a que me coloca.

De uma maneira geral, a tricotilomania é definida como patologia e, portanto, escapa às teorias cognitivistas das sobrancelhas, sendo que é um desvio à norma social.
Intrinsecamente ligada ao consumo de batido de morango e à condução de carros de alta velocidade em simultâneo, a tricotilomania pode também, em raras excepções, estar relacionada com o consumo continuado de leitão.

Respondendo à sua questão de forma objectiva, a metodologia que referi não pode ser usada em indivíduos tricotilomaníacos.
Contudo, pesquisas recentes da Universidade de Strains têm investigado a falta de sobrancelhas em correlação com a despersonalização, a apatia e o desinteresse social.

Embora não esteja ainda comprovado, pensa-se que a ausência de sobrancelhas possa estar relacionada com o distanciamento do eu em relação a si mesmo, com a ausência de emoções e com um tipo agudo de misantropia melancólica.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Esquizofrenia Fellinis

Há dois anos recebi dois pacientes no meu consultório. Apresentavam ideias delirantes, episódios sintomáticos de distanciação da condição humana que os abrangia.

Sentados nas cadeiras, lambiam as mãos e esfregavam-nas depois no nariz e nos olhos.

Estávamos perante um caso de esquizofrenia fellinis.

Depois de um longo diálogo, conseguido em várias consultas, os indivíduos admitiram ter adquirido uma camada de pêlos amarelados que fixaram com cola à pele havia quatro anos. Admitiram ainda ter substituído a fala, quando em interacção com outros indivíduos, por grunhidos de uma sílaba só.

Este era um caso perdido. Os indivíduos apresentavam agora o sintoma final da doença: começavam a ronronar.

Faz hoje dois anos que os pacientes foram internados num hospital psiquiátrico em Lisboa. Visito-os ainda, semanalmente, e é com gosto que os vejo saudáveis (embora alheados do mundo) descansando na relva do jardim da Ala Sul.

A janela e o fim da tarde

O final da tarde e o barulho dos pássaros nas árvores, tudo isto me traz reminiscências de estar-se de férias enquanto se punha a mesa para o jantar no terraço e as mães grelhavam peixe e entrecosto, enquanto a brisa agitava os guardanapos.

É a hora das gentes voltarem a casa dos trabalhos.

Avisto um homem de gabardine bege e pasta na mão que deve vir da empresa e penso que se calhar é bom vir da empresa e chegar a casa. Ou se calhar não é bom nem mau o que torna a coisa boa na mesma.

Vejo passar pessoas na rua que se vê do meu escritório. A rua acompanha a janela e parece que vejo um quadro em movimento ou uma passagem de modelos de pessoas normais que, em vez de exibirem indumentárias atípicas, mostram um trecho da vida a quem a apanhar. Vejo-as de lado e acompanho-lhes os passos, mais lentos, mais rápidos, mais pesados ou molengões e as costas, mais direitas ou mais tortas. E não lhes traço perfil algum.

sábado, 26 de abril de 2008

Que motivação?

Num livro que leio especula-se acerca do motivo pelo qual nos relacionamos uns com os outros.

Que motivação por trás dos relacionamentos?

Dizem que é a necessidade intrínseca de contacto físico, a atracção por um outro organismo, a fim de certificar-se, junto ao outro, de que se é aceite (...) especialmente válido quando o organismo está emocionalmente perturbado, sobretudo quanto à sua auto-avaliação. Os sentimentos de auto-aceitação podem originar-se pelo contacto físico ou através da comunicação de sentimentos ou atitudes.
Procura-se companhia na angústia para estabelecer comunicação de reacções emocionais.

A psicologia das sobracelhas

São muitos os investigadores, em particular na Inglaterra, que se têm dedicado à abordagem das sobrancelhas enquanto espelho reflector das angústias e bipolaridades do indivíduo.

Existem duas correntes distintas.

A primeira defende que a sobrancelha é definida à nascença, não havendo lugar para mudanças evolutivas ao longo do percurso existencial.
A segunda explora e estuda o crescimento dos pêlos no contexto ambiental (em que a interacção social contribuiria para o sentido de crescimento dos pêlos nas sobrancelhas e assim definiria determinado contorno de acordo com as vivências de cada um).

É certo que as sobrancelhas muito arqueadas reflectem fenómenos interiores de histeria, neurose caracterizada por instabilidade emocional - facto que tenho vindo a avaliar pela observação continuada dos meus pacientes no consultório.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Começo (acaso ser neste dia)

É com gosto que inicio hoje mais uma parte da minha vida, partilhando-a com os que quiserem acompanhar as minhas deambulações por palavras e comportamentos humanos observáveis.
Daqui para a frente, à parte das minhas publicações já editadas, darei um modesto contributo sobre a evolução psicológica do Homem no Portugal de hoje, repleto de contemporaneidade de mesclas obssessivo-compulsivas.

Que todos possamos comunicar e indagar com curiosidade, é o propósito primordial.

Como diz o Doutor Lourenço, meu colega de profissão, é na comunicação que surgem âmbitos freudianos de contemplação do eu e do outro como indivíduo solto e vinculado ao ambiente que o rodeia.