domingo, 8 de junho de 2008

A música de uma das minhas pacientes

Há largos meses, em meados de Novembro do último ano, tratei uma paciente da qual terei sempre reminiscências.

No primeiro dia em que nos encontrámos no consultório eram dez e meia, a paciente entrou e pronunciou bom dia com uma voz falsamente grave e encravada na garganta. Arrastou a cadeira para se sentar, tirou cinco flores amarelas que trazia no bolso de trás das calças de ganga, pousou-as em cima da minha secretária e sentou-se finalmente.

Quando lhe perguntei o nome, disse-me que se chamava Maurícia.

De facto, durante as nossas consultas e sessões de psicoterapia, não consegui antever muito cedo qual era a patologia sintomática que afectava esta paciente, pensando eu que apenas se tratasse da necessidade de diálogo com o eu exteriorizada e estruturada através da ajuda do psicólogo.

Foi o Doutor Lourenço que me alertou numa das alturas em que viu a paciente sair do meu consultório:

Doutora Teresa, sem me querer intrometer, pergunto-me o que terá aquela sua paciente. Vejo-a cá tantas vezes...
Sabe, vi-a há pouco e assaltou-me uma reminiscência: ela parece-se muito com um rapazola que vi cantar em Londres há muito anos, quando era jovem. Os óculos, o cabelo, é tudo muito idêntico. Até as geribérias que ela hoje trazia no bolso das calças de ganga. Penso que o rapazola também as usava.

Foi uma pista crucial.
Assim, numa investigação conjunta com o Doutor Lourenço, chegámos à conclusão da sua patologia sintomática: a Maurícia estava convencida que era Morrissey, indivíduo que fora em tempos vocalista de um grupo musical chamado The Smiths. A Maurícia não se chamava Maurícia, chamava-se Cristina.

Graças a esta paciente, descobri um importante grupo musical por mim até então desconhecido.

O tratamento desta paciente consistiu em canalizar a sua necessidade de ser Morrissey para os tempos livres:

De dia a Cristina é ela mesma, mulher activa, individualidade, sendo que definiu o seu auto-conceito com a nossa ajuda.

Quando chega a casa, veste uma camisa larga e umas calças de ganga gastas, tira as flores da jarra na cozinha e coloca-as no bolso de trás das calças. Na casa-de-banho, abre um frasco e ao espelho arranja o cabelo e forma uma poupa alta.
Põe uns óculos grandes e corre com entusiasmo para a sala.

Na sala, liga o microfone e o aparelho de karaoke. Canta e dança, tira as flores do bolso e encanta a plateia que pensa que existe.

Deixo-vos com uma das interpretações da Cristina. Espero que apreciem.

this charming man - mauricia

1 comentário:

Francisco disse...

quero o contacto desta senhora <3