Há largos meses, em meados de Novembro do último ano, tratei uma paciente da qual terei sempre reminiscências.
No primeiro dia em que nos encontrámos no consultório eram dez e meia, a paciente entrou e pronunciou bom dia com uma voz falsamente grave e encravada na garganta. Arrastou a cadeira para se sentar, tirou cinco flores amarelas que trazia no bolso de trás das calças de ganga, pousou-as em cima da minha secretária e sentou-se finalmente.
Quando lhe perguntei o nome, disse-me que se chamava Maurícia.
De facto, durante as nossas consultas e sessões de psicoterapia, não consegui antever muito cedo qual era a patologia sintomática que afectava esta paciente, pensando eu que apenas se tratasse da necessidade de diálogo com o eu exteriorizada e estruturada através da ajuda do psicólogo.
Foi o Doutor Lourenço que me alertou numa das alturas em que viu a paciente sair do meu consultório:
Doutora Teresa, sem me querer intrometer, pergunto-me o que terá aquela sua paciente. Vejo-a cá tantas vezes...
Sabe, vi-a há pouco e assaltou-me uma reminiscência: ela parece-se muito com um rapazola que vi cantar em Londres há muito anos, quando era jovem. Os óculos, o cabelo, é tudo muito idêntico. Até as geribérias que ela hoje trazia no bolso das calças de ganga. Penso que o rapazola também as usava.
Foi uma pista crucial.
Assim, numa investigação conjunta com o Doutor Lourenço, chegámos à conclusão da sua patologia sintomática: a Maurícia estava convencida que era Morrissey, indivíduo que fora em tempos vocalista de um grupo musical chamado The Smiths. A Maurícia não se chamava Maurícia, chamava-se Cristina.
Graças a esta paciente, descobri um importante grupo musical por mim até então desconhecido.
O tratamento desta paciente consistiu em canalizar a sua necessidade de ser Morrissey para os tempos livres:
De dia a Cristina é ela mesma, mulher activa, individualidade, sendo que definiu o seu auto-conceito com a nossa ajuda.
Quando chega a casa, veste uma camisa larga e umas calças de ganga gastas, tira as flores da jarra na cozinha e coloca-as no bolso de trás das calças. Na casa-de-banho, abre um frasco e ao espelho arranja o cabelo e forma uma poupa alta.
Põe uns óculos grandes e corre com entusiasmo para a sala.
Na sala, liga o microfone e o aparelho de karaoke. Canta e dança, tira as flores do bolso e encanta a plateia que pensa que existe.
Deixo-vos com uma das interpretações da Cristina. Espero que apreciem.
1 comentário:
quero o contacto desta senhora <3
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