quinta-feira, 24 de julho de 2008

Viagens (uma canção para os leitores)

Continuam as deambulações por cidades e lugares desconhecidos.

Deixo-vos uma canção que fiz ontem, ao escurecer, na arrecadação da estalagem em que me encontro.
Lá jazia uma guitarra acústica, enquanto que em mim jazia o desespero e a melancolia de final de tarde.

Contemplativo - Doutora Teresa

sábado, 19 de julho de 2008

Viagens (dia quinto)

Descanso numa estalagem no Alto Alentejo. Sento-me numa velha cadeira de pernas desiguais e olho pela janela do quarto de onde vejo uma estrada vazia. O silêncio é quebrado quando, raramente, passam carros rápidos com indivíduos que não consigo chegar a ver.

A estalagem tem seis quartos mas, por nunca ter visto ou ouvido outros hóspedes, julgo ser a única pessoa aqui instalada. A estreita cama de madeira onde me tenho prostrado é escura e confortável, as paredes verde água do quarto transportam-me para um confronto interior onde me assaltam reminiscências do que tenho sido, do que os outros têm sido. O cheiro é o de um lugar há muito desabitado: convivem, de mãos dadas, o cheiro a madeira antiga, alguma humidade e um aroma a produtos de limpeza de madeiras.

Sempre me servi das férias para viajar. Observar paisagens e indivíduos é observarmo-nos a nós mesmos, é a aparição daquilo que andou adormecido o resto do ano e o resto da vida.

Viajo e é como se pesasse sobre mim o peso de um balanço necessário, um fechar de ciclo que acaba com a morte - morte que é sobretudo renovação.

Piso os lugares mais recônditos e longínquos para, através do isolamento que é também envolvimento distante, chegar ao apaziguamento e à acalmia e a uma tão aguardada renovação interior.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Viagens

As rodas deslizam enquanto o nosso autocarro passa a ponte. Ultrapassamos camiões menos velozes. Surgem mãos envelhecidas e escuras, penduradas nas janelas e apoiadas no volante. Mãos com história, desgastes e alianças.

Está sol. O mar reflete o céu e a água parece azul.

Os campos por onde passamos já foram verdes e vivos, espantados e recém-chegados ao mundo. Já foram amarelos, perderam a esperança, queimados pelo sol.

Onde antes havia uma alegria primordial de nascimento e de espanto, surgem-nos desinteressados desmotivados campos cansados e castanhos, em luto antecipado para a morte que é a chegada do Outono.

É a hora do rescaldo, do balanço e da recolha. A terra está curvada, virada para dentro, em retiro espiritual.

Passamos um lago castanho. Outro camião. Outra mão estendida num relógio metalizado.

A beleza dos cactos!

No acumular do castanho da paisagem, subsistem pedaços verdes de vegetação - responsabilidade da Primavera que ainda persiste e que persiste sempre. Esperança das folhas, dos insectos e dos Homens.

Há casas ao longe, há vida por entre as árvores e por entre a vegetação estéril. Que vidas terão os que ali habitam?

Imagino-os a esta hora talvez a verem o telejornal na cozinha enquanto almoçam e dançam três moscas acima das suas cabeças.

sábado, 5 de julho de 2008

Amor e Labor

É quase tão difícil deixar um emprego como acabar um relacionamento.

Nos relacionamentos podemos adiar duas semanas e atenuar os sinais de descontentamento e a urgência de findar o relacionamento. Não precisamos de elaborar um discurso formal pois o outro apercebe-se das nossas intenções nessas duas semanas em que as disfarçamos.

No labor, quando já temos o novo amante agendado para a segunda-feira seguinte, é-nos imprescindível elaborar um discurso que diga, sem rodeios, "quero terminar tudo, arranjei outro".

Quanto às perdas sentimentais que se tornam reminiscências passado algum tempo: no amor, ficam as deambulações e as discussões; no labor ficam os almoços no restaurante A Travessa junto ao Tejo e o cheiro a madeira envernizada da secretária.

Amor e labor aparecem de mãos dadas, apresentando mais similaridades do que seria de esperar.

Basta-nos pôr um L atrás de Amor e trocar o M por um B.