sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Hoje no almoço de Natal,

O Doutor Lourenço ofereceu um avental azul com o rosto de Ivan Pavlov à Doutora Isabel, defensora acérrima da psicologia comportamental. Doutora Isabel, por sua vez, ofereceu à Doutora Helena uma estatueta de bronze de Carl Rogers por saber que no seu consultório Doutora Isabel pratica uma psicologia humanista, centrada no indivíduo e baseada na empatia. A Doutora Helena ofereceu ao Doutor Manuel um conjunto de camisola e calças de pijama às riscas cinzentas e verdes da marca de antipsicóticos Zyprexa Olanzapine, pois quis desfazer-se de alguns brindes que delegados de informação médica lhe ofereceram este ano. Por sua vez, o Doutor Manuel deu umas risadas e entregou à Doutora Helena o seu presente: um conjunto de caneta e bloco do Seroquel, um neuroléptico. Ao Doutor Lourenço, o Doutor Manuel ofereceu um isqueiro especial assinado por Philip Zimbardo com uma dedicatória muito especial. Doutora Helena sorriu e aproveitou a deixa para oferecer à Doutora Isabel um conjunto de seis chávenas de chá e pires pintados à mão com a pirâmide de Maslow. Posto isto, a Doutora Helena entregou ao Doutor Lourenço uma pintura a óleo de Piaget e colaboradores brincando com seis crianças. Doutor Lourenço ficou comovido e aproveitou o momento para dar ao Doutor Manuel um tapete de rato com a fotografia de Albert Bandura sorrindo a meio de um dos seus estudos experimentais.
A comida estava óptima e, dentro dos sacos que carreguei nas mãos à vinda para casa, trouxe uma réplica de Freud em chocolate, uma moldura com uma fotografia de Doctor Phil por ele autografada, uma agenda 2009 da marca Prozac e o livro "Reminiscências".

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Um amor platónico veraneante

Em Junho deste ano, entre Manhattan e Washington DC, fui acometida por uma paixão que tomou posse das minhas faculdades cognitivas. Essa paixão dura até hoje e é sempre com um sorriso que contemplo, de esguelha, esse rosto resplandecente quando fazendo zapping me deparo com a sua cara e com o seu discurso que tanto aprecio.

Bem sei que jamais será possível construir uma vida a dois consigo. É uma vida feita de reminiscentes encontros e desencontros. Acha que nos encontramos noutra vida, Phil?



A canção que vos apresento foi feita no quarto do hotel em que me encontrava hospedada em Junho. A minha voz, devido às inúmeras conferências desses dias, não estava nas melhores condições mas urgia registar sentimentos transcendentais. Gravá-la-ei de novo um destes dias.




segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Se tiver dois minutos disponíveis, contar-lhe-ei a história da minha vida

Um quarto andar em Lisboa. Tocamos à campainha numa terça-feira amena. Quem nos abre a porta é Doutora Teresa, trazendo nas mãos uma caneca de chá quente e um sorriso contemplativo.

A sua paixão pela psicologia começou desde muito cedo. Doutora Teresa olha pela janela do seu escritório e fixa um ponto inexistente. “Em pequena costumava brincar aos psicanalistas com as minhas amigas. Sentava-me numa cadeira, punha os óculos que surripiava à minha mãe quando ela não estava em casa e tecia análises psicológicas, sempre fictícias, durante tardes a fio. As minhas amigas participavam: encenavam gritos, choros e risos. Diagnosticava-lhes esquizofrenias, neurastenias. Nessa altura ainda não sabia concretamente o significado dos termos que usava”.

Aos 11 anos de idade, Doutora Teresa mascara-se de Freud provocando agitação no seio da família, num meio burguês e conservador. “Quando apareci no dia de Carnaval vestida de Freud, os meus pais não queriam deixar-me ir mascarada daquela forma para o colégio. Diziam que era ofensivo, que não era traje para uma menina usar. Mas eu fui resistente! [risos] Recusei-me a sair de casa enquanto eles não se resignassem. E resignaram-se”.

Aos 15 anos, Doutora Teresa interessava-se cada vez mais por literatura. “Estava absorta nos livros. A minha vida era ler. Saía do colégio, caminhava em direcção à biblioteca e lia avidamente os livros do Eça de Queirós, do Tolstoi. Acabei por me afastar do mundo. [pausa] Acho que teci nessa altura uma barreira intransponível entre mim e os outros indivíduos. Foi nessa altura que descobri Fernando Pessoa e me apaixonei pelo heterónimo Alberto Caeiro”.

De facto, este acontecimento mudou-lhe a vida. Aos 17 anos, profundamente influenciada pela poesia de Alberto Caeiro, Doutora Teresa faz as malas e ruma à casa de campo dos seus antepassados, abandonada havia um século. “Quando cheguei ao norte, vi a casa quase em ruínas, sem luz e sem água. Acabei por me instalar na mesma. Queria experienciar a vida como Alberto Caeiro a descrevia: sentir o sol na face, o frio de noite e escutar a Natureza. Comunicar com a divindade contida em todas essas coisas”.

Foi também nessa casa de campo que descobriu a música. “Certo dia passava um viandante que ia para longe de comboio. Tinha de se desfazer de uma guitarra acústica que carregava debaixo do braço. Ele quis oferecer-ma: eu disse que não sabia tocar guitarra. Ele insistiu, recordo-me como se fosse hoje: disse-me que não era preciso saber tocar, que a música estava dentro de nós. Fiquei com a guitarra e com um disco que me deixou, para recordação, do John Fahey”. Desde essa altura Doutora Teresa nunca mais parou de fazer canções. “É uma forma de catarse, de falar dos meus dias e da vida que me rodeia. A música tornou-se o meu psicanalista [risos]”.

Após dois anos passados no campo, lendo e relendo as obras de Freud, Doutora Teresa decide ingressar em Psicologia, sua velha paixão, voltando de novo para Lisboa. Conclui o curso aos 23 anos com média de 17 valores. “Inicialmente comecei a trabalhar na área dos recursos humanos, por pressão da família. Mas houve uma altura em que tive de pôr um ponto final a essa fase da minha vida. Era muito duro e causava-me grande frustração saber que não estava contribuindo para ajudar as pessoas a ajudarem-se a elas mesmas”. Assim, aos 28 anos Doutora Teresa abre o seu consultório em parceria com um antigo colega de faculdade, Doutor Lourenço, e nunca mais larga a psicologia clínica - sua verdadeira paixão.

Desde então Doutora Teresa tem dedicado a sua carreira a ajudar os indivíduos, tendo também uma vasta colecção de artigos científicos e obras publicadas no meio literário e científico. “Guardo algumas saudades da minha vida no campo mas por agora sinto que a minha missão na vida é continuar a ajudar os indivíduos que me rodeiam”.

Publicado em Março de 2005, Revista Psicólogos no Quotidiano, Nº31