sexta-feira, 6 de junho de 2008

"Não te governas só e sabe-lo"

12 de Abril [1947]

Ter a impresão de que cada coisa boa que acontece é um erro feliz, um acaso, um favor imerecido, não nasce de um espírito bom, da humildade e do desprendimento, mas da longa escravidão, da aceitação do arbítrio e da ditadura. Tem-se alma de escravo, não de santo.

Que aos vinte anos, quando os primeiros amigos te deixaram, tenhas sofrido devido a uma nobre dor, é uma das tuas ilusões. Desagrada-te ter de interromper hábitos agradáveis, mais nada. E agora continuas tal e qual.

Estás só e sabe-lo. Nasceste para viver sob as asas de um outro, mantido e justificado por esse outro, mas que seja suficientemente gentil para te deixar à rédea solta e consentir que tenhas a ilusão de que bastas tu sozinho para refazer o mundo. Nunca encontras ninguém capaz de suportar tanto; daqui o teu sofrer por causa das separações - não por ternura. Daqui o teu rancor contra quem se foi embora; daqui a tua felicidade em encontrar um novo dono - não por cordialidade. És uma mulher, e teimoso como todas as mulheres. Mas não te governas só e sabe-lo.

(O Ofício de Viver, Cesare Pavese)


Para si, Doutor Lourenço, a propósito do nosso diálogo de ontem.

1 comentário:

Anónimo disse...

sei q este gajo tá a dizer coisas importantes q me davam jeito mas n chego lá. se o dr lourenço chegar lá já fico contente. q alguém chege lá.