Foi durante as deambulações que costumo dar pela cidade às quartas-feiras que me deparei com um indivíduo que apresentava sintomas alarmantes de depressão.
O indivíduo chorava convulsivamente (algumas lágrimas chegaram mesmo a molhar os casacos dos indivíduos que passavam pela rua) e escondia-se num local alto e isolado, local que lhe permitia distanciar-se dos indivíduos, do contacto social e das próprias estruturas sociais. Quando tentei estabelecer diálogo com este indivíduo pude constatar que a sua cooperação era praticamente nula. O indivíduo recusava-se a ser ajudado.
Porém, persisti. Sentia-me no dever de ajudar um ser perdido nos meandros da depressão.
- O senhor precisa de ajuda, deixe-me ajudá-lo - gritava eu de cabeça inclinada para o céu - diga-me o que sente, diga-me o que o faz chorar, prometo-lhe que é confidencial e que se vai sentir melhor.
Mas o indivíduo recusava-se a cooperar.
Após algumas horas de observação pude concluir que o indivíduo habitava uma nuvem acinzentada de grande extensão, podendo este facto revelar que o indivíduo terá fugido de casa e da família estando agora a viver numa nuvem, desprovido das condições básicas de conforto para um ser-humano.
Com alguma insistência consegui fazer com que o indivíduo aceitasse cooperar e começar uma terapia cognitivo-comportamental baseada na neo-psicanálise. Passaram duas semanas desde o começo da terapia. O indivíduo continua a chorar todos os dias mas a terapia parece estar a ter um efeito positivo no estado emocional do indivíduo. Embora o indivíduo, por embaraço, se recuse a mostrar-me a sua cara estou em crer que a sua auto-estima vá melhorar bastante nos próximos meses e que talvez em Junho o seu choro cesse e possamos finalmente conhecer as caras um do outro.
Até Junho deslocar-me-ei todas as quartas-feiras à Rua José das Dores Pacheco, sentar-me-ei num banco, de guarda-chuva aberto, e bradarei aos céus questões e conselhos sobre a existência e sobre a depressão.