A sua paixão pela psicologia começou desde muito cedo. Doutora Teresa olha pela janela do seu escritório e fixa um ponto inexistente. “Em pequena costumava brincar aos psicanalistas com as minhas amigas. Sentava-me numa cadeira, punha os óculos que surripiava à minha mãe quando ela não estava em casa e tecia análises psicológicas, sempre fictícias, durante tardes a fio. As minhas amigas participavam: encenavam gritos, choros e risos. Diagnosticava-lhes esquizofrenias, neurastenias. Nessa altura ainda não sabia concretamente o significado dos termos que usava”.
Aos 11 anos de idade, Doutora Teresa mascara-se de Freud provocando agitação no seio da família, num meio burguês e conservador. “Quando apareci no dia de Carnaval vestida de Freud, os meus pais não queriam deixar-me ir mascarada daquela forma para o colégio. Diziam que era ofensivo, que não era traje para uma menina usar. Mas eu fui resistente! [risos] Recusei-me a sair de casa enquanto eles não se resignassem. E resignaram-se”.
Aos 15 anos, Doutora Teresa interessava-se cada vez mais por literatura. “Estava absorta nos livros. A minha vida era ler. Saía do colégio, caminhava em direcção à biblioteca e lia avidamente os livros do Eça de Queirós, do Tolstoi. Acabei por me afastar do mundo. [pausa] Acho que teci nessa altura uma barreira intransponível entre mim e os outros indivíduos. Foi nessa altura que descobri Fernando Pessoa e me apaixonei pelo heterónimo Alberto Caeiro”.
De facto, este acontecimento mudou-lhe a vida. Aos 17 anos, profundamente influenciada pela poesia de Alberto Caeiro, Doutora Teresa faz as malas e ruma à casa de campo dos seus antepassados, abandonada havia um século. “Quando cheguei ao norte, vi a casa quase em ruínas, sem luz e sem água. Acabei por me instalar na mesma. Queria experienciar a vida como Alberto Caeiro a descrevia: sentir o sol na face, o frio de noite e escutar a Natureza. Comunicar com a divindade contida em todas essas coisas”.
Foi também nessa casa de campo que descobriu a música. “Certo dia passava um viandante que ia para longe de comboio. Tinha de se desfazer de uma guitarra acústica que carregava debaixo do braço. Ele quis oferecer-ma: eu disse que não sabia tocar guitarra. Ele insistiu, recordo-me como se fosse hoje: disse-me que não era preciso saber tocar, que a música estava dentro de nós. Fiquei com a guitarra e com um disco que me deixou, para recordação, do John Fahey”. Desde essa altura Doutora Teresa nunca mais parou de fazer canções. “É uma forma de catarse, de falar dos meus dias e da vida que me rodeia. A música tornou-se o meu psicanalista [risos]”.
Após dois anos passados no campo, lendo e relendo as obras de Freud, Doutora Teresa decide ingressar em Psicologia, sua velha paixão, voltando de novo para Lisboa. Conclui o curso aos 23 anos com média de 17 valores. “Inicialmente comecei a trabalhar na área dos recursos humanos, por pressão da família. Mas houve uma altura em que tive de pôr um ponto final a essa fase da minha vida. Era muito duro e causava-me grande frustração saber que não estava contribuindo para ajudar as pessoas a ajudarem-se a elas mesmas”. Assim, aos 28 anos Doutora Teresa abre o seu consultório em parceria com um antigo colega de faculdade, Doutor Lourenço, e nunca mais larga a psicologia clínica - sua verdadeira paixão.
Desde então Doutora Teresa tem dedicado a sua carreira a ajudar os indivíduos, tendo também uma vasta colecção de artigos científicos e obras publicadas no meio literário e científico. “Guardo algumas saudades da minha vida no campo mas por agora sinto que a minha missão na vida é continuar a ajudar os indivíduos que me rodeiam”.
Publicado em Março de 2005, Revista Psicólogos no Quotidiano, Nº31
3 comentários:
Folgo em saber que atenta aos pedidos dos seus leitores blogueiros.
Gostei muito de ler esta pequena biografia sobre o que foi a sua (interessante) vida. Confesso que desconfiava de alguns pontos, como o facto de a psicologia ser uma paixão muito precoce. Fico até com a sensação de que a conheço um pouco melhor, o que é reconfortante na medida em que você me conhece tão bem.
Os melhores cumprimentos do seu não-paciente preferido,
F.
Notável, Teresa, o teu percurso até agora.
Quando li esse artigo em 2005 fiquei desde logo impressionado com a maneira como, desde muito cedo, tinhas a psicologia a correr-te nas veias.
Freud ficaria grato e emocionado se te visse nesse Carnaval longínquo, por certo.
Saudações cordiais,
Lourenço
Cara Doutora Teresa.
Sendo as interzonas suburbanas das grandes metrópoles os casulos por excelência, dos jovens pequeno-burgueses, é com grande prazer e estima que me apresento como sendo o sócio número 1 dessa imensa e vasta "sociedade anónima".
Ora, como deveis imaginar, o título do meu post não se refere tanto ao acto de cair em si mesmo sobre o asfalto mas antes que cair sobre o asfalto tanto nos diz respeito a nós, suburbanos, como a todos os "metropolitanos", longe de nós pensar que precisariamos de psicólogos.
Confesso que tive as minhas patologias, é certo, confesso que dependi muito tempo de tão nobre profissão, mas considero que todos as ciências terminadas em "ias", são pretensiosas, e nelas incluo também a Filosof "ia".
Mostro todo o meu respeito por tão nobre profissão como a sua, mas a verdade é que talvez irrite a uns quantos psicólogos e pessoas dum modo geral, a nossa posição de total indepedência face ao divã.
A nossa postura é mais esta...
" Sim, é verdade que estou magoado, estou a sofrer, sinto-me triste e deprimido, as emoções e os sentimentos fazem de mim um ser-humano, o amor faz de mim um homem superior, assumir esse amor perante uma mulher e perante o mundo e a vida é sem dúvida um acto de coragem que terá as suas consequências, mas se isso me fizer sofrer, que faça, a dor faz bem, é bom ter cicatrizes, é bom ter cabelos brancos, e quem me quiser convençer do contrário, quem me quiser por paninhos quentes como é o caso dos "terapeutas" tentando encontrar um remédio, uma solução para a minha HUMANIDADE, bem pode ir dar uma volta.
Sem mais assunto e cordialmente
madmax
P.S
Claro que não deixarei de publicar os seus comentários, mas como deve imaginar a minha responsabilidade perante todos os visitantes da Interzona é muita, não poderei permitir qualquer tipo de compadecimento com instituições fascistas e burocráticas como a Universidade de Lisboa, e tanto quanto soube, os seus comentários incidiam sobre a possibilidade ou não de eu me sentir perseguido ou magoado com o facto de não ter acedido à dita cuja em particular.
Ora o post era acompanhado de vídeos propagandistas que foram infelizes (para a maioria das pessoas), não deixando contudo de compreender a sua posição.
Mas como lhe digo, ao ter "caído sobre o asfalto" nessa momento da minha vida, não procurava reagir perante essas mesmas instituições, mas antes de prestar o meu testemunho perante outras pessoas que eventualmente se tenham sentido da mesmas forma que eu.
Não publiquei suas opiniões acerca dessa matéria, porque as considerei, despropositadas ao espiríto da Interzona, e não se trata de fascismo ou de censura, mas antes de dar coerência a um espaço que se quer sério e afirmativo.
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